Natureza humana vs Cultura humana

Estava a ler um post sobre startup mentoring e deparei-me com a expressão “não é natureza humana”. A mesma ideia é frequentement expressa de outras formas - não é natural, contra a natureza, contra a natureza humana, etc - mas a maioria das vezes isto é um sinal de que a cultura humana é uma parte tão integrante de nós que nem conseguimos perceber a diferença entre o que é natural e o que é cultural.

No caso especifico o autor estava a falar sobre como ajudar os outros sem esperar nada em troca não é natureza humana. Eu não sei exatamente o que é natureza humana - talvez não tenhamos uma de todo.

Mas onde eu cresci, ajudar os outros sem esperar nada em troca é práctica comum. Mas talvez essa seja a única forma de uma pequena aldeia de cem pessoas surviver durante gerações. Para começar toda a gente conhece toda a gente. Mais do que isso, as pessoas conhecem toda a gente na maioria das aldeias á volta. E se elas não se ajudarem umas às outras, quem é que as vai ajudar?

A pessoa que precisa de ajuda não é o tipo de fatinho que vive do outro lado da rua e que viste duas vezes no último ano, e a quem quase tiveste que dizer bom dia uma vez porque ele quase entrou no elevador na estação de metro contigo.

Numa pequena aldeia as pessoas que precisam de ajuda são as mesmas pessoas com quem cresceste, as pessoas que trabalham contigo metade do tempo, as pessoas a quem dizes bom dia e boa noite a maioria dos dias, as pessoas justo de quem paras para falar quase sempre, mesmo que as únicas coisas que têm para falar sejam quem é que está doente ou quem precisa de ajuda no campo ou o estado dos campos, o que é preciso semear, o que é preciso plantar, o que precisa ser cuidado, o que precisa ser colhido…

Mas, no final, é isso que é natureza humana. Os relacionamentos com outras pessoas. Não importa do que falam, é natureza humana relacionarmo-nos com outras pessoas.

Mas quando se cresce numa cidade, mesmo quando se muda para uma cidade depois de crescer no campo, é fácil cair na armadilha da importância do dinheiro, do ROI, e no medo dos outros, no medo de o vizinho que não se conhece.

Mas nós não aprendemos a falar, a comer, a vertirmo-nos, sozinhos. Aprendemos tudo ao relacionarmo-nos com outros, ao ver os outros, ouvindo os outros, tocando-lhes (talvez isto seja culturar, algumas culturas tocam-se mais do que outros, mas é indiscutível que os bébés acalmam muito mais depressa no conforto do colo de uma pessoa carinhosa do que sozinhos).

Natureza Humana? Não sei, mas parece-me que cada bombeiro que corre para uma casa em chamas porque está alguém lá dentro, cada doação para caridade, cada vez que alguém ajuda outra pessoa que precisa de ajuda mostra que ajudar os outros sem esperar nada em troca não é assim tão incomum para os humanos.

E aconelhar e ensinar nunca foram excepções. Em tempos em que a maioria das pessoas tinha dificuldade em alimentar as próprias familias, havia aqueles que recebiam os filhos de outras pessoas e lhes ensinavam os seus oficios. Não estavam a ajudar essas crianças tanto como ajudariam os seus próprios filhos?

Mas o século 20 trouxe-nos esta visão economicista do mundo em que aquilo que não gera lucro não vale a pena fazer e vai demorar algum tempo até que esta visão minimizadora do mundo passe e esta ideia de que ela é natureza humana seja limpa - esperamos que não seja substituida por algo pior.